quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Formação do policial no Brasil

A seguir passo a transcrever o artigo ( algumas partes ) do Delegado de Polícia Marcelo Barros com o título Políticas Públicas de Segurança no Brasil. Mito ou Realidade? que foi publicado no livro Polícia, Democracia e Sociedade , que teve a coordenação do professor José Luiz Ratton e do referido delegado de polícia, a seguir alguns trechos do artigo: Formação profissional. - A polícia tem como função precípua, no plano legal ou moralmente aceito, fazer respeitar as leis ou regras de uma sociedade e de reprimir quem as descumpre. Entretanto, às vezes sob pretexto de cumpri-la, outras vezes de forma sub-reptícia, tem sido a primeira a descumpri-la, (LEMOS-NELSON) funcionando como mais um empecilho à solidificação de um Estado Democrático de Direito. Dentre essas violações da lei, uma interessa, particularmente para a constituição deste tópico: as graves violações dos direitos humanos pelos policiais, mais especificamente, a utilização da violência física contra os cidadãos. A atividade policial é desenvolvida através de ações coercitivas que interferem na vida, trabalho, lazer e, acima de tudo, na liberdade das demais pessoas. Ela consiste, basicamente, em coagir as pessoas a fazer ou deixar de fazer determindas ações. Essa interferência na liberdade alheia, paradoxalmente, pressupõe a garantia de outras liberdades. Daí porque não se deve descuidar de seu funcionamento. Essa relação entre polícia e sociedade, em geral, é conflituosa. Quer seja quando interfere na vida das pessoas, cerceando suas liberdade, sob pretexto de prevenir a criminalidade; quer seja quando comete violência contra as pessoas sob o manto do "combate" ao crime; ou, ainda, quando é acusada de, com sua inércia, não garantir segurança para a sociedade. O quadro geral fica insustentável quando se adiciona um senso comum de se fazer "justiça" com as próprias mãos, com as demonstrações de racismo e preconceito, e de ignorância sobre o papel político-social da polícia, resultado de uma formação que não os habilita a atuarem como mediadores de conflitos, responsáveis pela segurança pública, tendo como função central a garantia de direitos humanos. Isso pode ser observado no nùmero crescente de violência praticada por policiais, chegando-se a ponto de uma ONG precisar escrever um "manual" de como se proteger da violência policial: "Violência Policial, Não: Porque Todos Têm direito à Dignidade" (CEAP, 2002). Embora a polícia brasileira ( Civil ou Militar) tenha procurado se adequar, pelo menos nos discursos, ao cenário democrático, suas práticas não se coadunam com os discursos, de "uma polícia cidadã", inserida num verdadeiro Estado democrático. Se o discurso institucional é o de "proteger e servir", onde é que os policiais estão aprendendo a "amedrontar e violentar"? Até que ponto as instituições policiais favorecem a assimilação de comportamentos violentos, ou, caso contrário contribuem para desconstituir tais características absorvidas através das relações sociais? .....Afinal, quando a educação praticada numa instituição policial não produz os resultados que ela mesma proclama, nem sempre se pode dizer que ela fracassou, posto que ela pode ter atingido plenamente outros objetivos, não declarados, mais relevantes segundo seus dirigentes.... Por que a mesma polícia que ostenta o lema da "segurança da população", é a que mais amedronta e é a primeira a descumprir as leis que justificam sua própria existência? Tortura, mata, corrompe e discrimina determinados segmentos da sociedade sob o lema da "segurança"? ...Sem se descuidar, é claro, do currículo oculto. aquele que não está na grande curricular, mas surge na sala de aula através de relatos, conselhos e casos, que muitas vezes só servem para enaltecer o trabalho sujo de policiais corruptos e arbitrários, travestidos de "operacionais"ou " policiais que dão resultado" . Na Academia de Polícia Civil de Pernambuco, durante o curso de formação de delegados de 1998 ( dez anso após a CF de 1988 que havia ampliado as garantias individuais), havia uma expressão jocosa que era constantemente utilizada : "delegado legalista"". Traduzindo: era aquele sujeito "ridículo" que queria fazer tudo nos limites da lei.
...Quais as práticas e procedimentos nos processos formativos que podem favorecer a humanização ou desumanização do futuro policial, facilitando ou criando entraves para a assimilação de conceitos de direitos humanos? Quais os valores implícitos e explícitos dos hinos e bordões cantados diariamente no curso de formação? Qual o perfil do policial que está sendo formado? quais os princípios e valores que servem de eixos norteadores no currículo do curso de formação? Quais os pressupostos teórico-metodológicos que funcamentam as práticas de formação policial> Quais as concepções e práticas dos formadores nos processos de formação? Cabe ainda analisar as divergências entre o discurso institucional e o discurso dos alunos, perquirindo, constantemente, em que medida o direcionamento político-ideológico da formação policial pode contribuir para a manutenção das graves violações dos direitos humanos? E, não adianta buscar significados diferentes do que "contribuir", pois, como já foi dito, há inúmeros fatores que convergem para a ocorrência das violações, bem como não há instituição que possa vislumbrar as violações como "fim", em sim mesmo, mas sim como "meio" para se alcançar outros fins. Nesse contexto dos novos pradigmas democráticos, precisamos entender as contradidções entre os dicursos institucionais e suas respectivas práticas, sem esquecer que nem sempre bons conteúdos geram bons resultados ( pois podem carecer de uma eficiente metodologia), mas jamais se verá maus conteúdos gerarem bons resultados(seja qual for o método). "É preciso salvar a polícia do passado...Libertar a polícia do passado implica inverter sua identidadee seus fins institucionais: ela existe para garantir nas liberdades e direitos, consagrados nas leis, inscritas na Constituição democrática. Ela só pode fazer cumprir as leis se as cumprir. (SOARES, 2202:26).....

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